Veiculado por Redação Donna, de Zero Hora, por Rossana Silva.
Cada vez que um produto de beleza como desodorante, hidratante ou perfume chega ao fim, Lisangela Marques da Silva recorre à “farmacinha”. É assim que a bióloga de 43 anos se refere ao compartimento mais alto do armário da cozinha, no qual ingredientes como álcool de cereais, ervas aromáticas e óleos essenciais estão cuidadosamente armazenados em potes de vidro. Com uma apostila de receitas nas mãos e a mesa como base do laboratório improvisado, ela prepara em casa produtos de higiene e beleza usados no dia a dia – tudo o mais natural possível.
– Enjoei do cheiro de um perfume que adorava e ganhei algumas amostras naturais de uma amiga. Gostei e decidi fazer um curso para aprender mais no ano passado. Era um momento no qual eu estava mudando a rotina para ter tempo para cuidar de mim, prestando atenção na alimentação e cozinhando mais em casa. Veio tudo junto – conta a bióloga.
A opção de Lisangela não é isolada. Conhecida no Exterior como slow beauty, a tendência que propõe o resgate de fórmulas naturais (preferencialmente orgânicas) e não tóxicas no cuidado com o corpo ganha cada vez mais adeptas. Embora, em alguns casos, fazer produtos de beleza em casa seja mais econômico, a atitude não tem motivação financeira: costuma estar relacionada ao estilo de vida de quem prioriza a saúde, preza pelo cuidado com a natureza e exerce um consumo consciente.
Receitas livres de substâncias prejudiciais à saúde como os parabenos e o alumínio, comuns nos rótulos dos industrializados, são testadas e recomendadas entre amigas, em grupos de discussão na internet e nos cursos de cosmética natural que têm despertado o interesse de dezenas de porto-alegrenses. Nesses espaços, o conhecimento sobre técnicas naturais é compartilhado por professoras como Daphene Zuboski Maurer, 25 anos. Após ter trabalhado com o tema na adolescência, ela voltou a se interessar por cosmética e tratamentos de pele: viajou por comunidades e ecovilas da América Latina onde apenas materiais biodegradáveis eram utilizados e participou de oficinas e cursos como o de cosmetologia natural no Instituto Harmonie, em Florianópolis. Animada com as descobertas, voltou a Porto Alegre e passou a ensinar como desenvolver produtos com elementos da aromaterapia e do ayurveda, a medicina indiana milenar.
– Ao ler os rótulos de produtos de beleza, vejo que 90% dos componentes são desconhecidos. Por muito tempo, só a medicina e a farmácia sabiam o que colocávamos no corpo. A cosmética natural começa a mudar isso, propondo um empoderamento do corpo e a consciência sobre o que se está utilizando nele – diz Daphene.
As oficinas recebem mulheres em busca de hábitos saudáveis e uma forma de vida mais conectada à natureza, ainda que na cidade. A maior parte delas deseja estender ao trato com a pele e o corpo cuidados já adotados nas refeições. A analogia entre o cosmético e a alimentação é usada pela instrutora de yoga Ana Accorsi para explicar por que, há anos, não compra produtos de beleza em farmácias ou supermercados.
– Colocar um derivado de petróleo na sua pele é como consumir margarina. Ainda que seja em cima de um pão integral, é um produto completamente sintético que o organismo não consegue reconhecer – compara Ana, 37 anos, que também é massoterapeuta ayurvédica.
Ela produz desodorantes e hidratantes para uso próprio e para presentear amigos. Outros produtos são adquiridos de marcas que utilizam ingredientes naturais, preferencialmente no comércio local. Itens de higiene e limpeza também foram trocados por receitas livres de químicos.
O resultado obtido nesses pequenos laboratórios caseiros nem sempre se aproxima daquilo que é encontrado já pronto, nas prateleiras – nem é essa a intenção. A ideia é aproveitar óleos, ceras, manteigas e ingredientes provenientes da terra para cuidar do corpo priorizando a saúde antes da beleza. Assim, o hidratante pode levar óleo vegetal e cera de abelha, o pó dental tem argila branca, cravo, gengibre e hortelã, e uma das receitas de desodorante (veja abaixo) é feita com leite de magnésio, tintura de alecrim, óleo vegetal e óleos essenciais.
A preferência é sempre para os ingredientes típicos de cada região, como o óleo de rosa mosqueta feito em Nova Petrópolis. Componentes mais raros, como a cera de candelila do México, usada pelas veganas como alternativa à de abelhas, são opcionais. A maior parte dos materiais está disponível no Mercado Público de Porto Alegre e em distribuidoras de produtos para farmácias de manipulação. No caso de itens vendidos em grande quantidade, são organizadas compras coletivas entre mulheres.
Para a psicóloga Alessandra Matzenauer, 27 anos, há uma relação de cuidado diferente quando faz o produto para si mesma ou para as amigas. As receitas base são aprimoradas com ervas e óleos essenciais de sua preferência, resultando em feitios personalizados na forma de hidratantes, sabonete, pó dental, xampu e condicionador.
– Há um prazer envolvido, é como fazer uma comida boa, dá um orgulho, o cheiro é bom, além de ter o carinho por ser algo feito por mim – explica Alessandra.
Segundo a dermatologista Juliana Fonte, a tendência do uso deste tipo de cosméticos também tem motivado a indústria a diminuir o uso de substâncias comprovadamente cancerígenas ou que causam irritação da pele, além de criar linhas orgânicas. Ela alerta, porém, sobre o cuidado com a manipulação e o prazo de validade dos componentes nas receitas caseiras.
– Tanto no produto natural, orgânico, quanto no comercial que tem substâncias sintéticas, existe o risco de uma reação alérgica. A forma como se utiliza o produto natural pode causar uma alergia que não ocorreria se fosse trabalhado em laboratório. A babosa, por exemplo, pode chegar a queimar a pele. Mas, se usada adequadamente, vai hidratá-la – alerta.
Os produtos naturais e caseiros, ela afirma, podem substituir os industrializados em funções básicas do dia a dia, sempre com atenção à maneira de preparo (veja abaixo).
– A vantagem dos cosméticos orgânicos é que são menos agressivos à pele e com certeza não têm substâncias cancerígenas – explica.
– Para o dia a dia, é válido o uso de sabonetes, hidratantes e esfoliantes e produtos naturais ou orgânicos simples que tragam menos malefícios do que os comerciais. Mas no caso de produtos mais elaborados como cremes anti-idade, é diferente. É preciso ter cuidado, a eficácia tem de ser comprovada – adverte.
Adeptas dos cosméticos naturais, porém, afirmam respeitar o processo do corpo e costumam abrir mão de fórmulas rejuvenescedoras.
– Ampliei o meu entendimento de beleza. As marcas do tempo também são bonitas e fazem parte da minha história – afirma Lisangela.
RECEITAS PARA FAZER EM CASA
Veja dois dos produtos ensinados nas oficinas de biocosmética:
Creme hidratante
- 25g de manteiga de karité ou cupuaçu
- 2g de cera de abelha ou candelila (opção vegana)
- 40ml de óleo vegetal (semente de uva, abacate ou gergelim)
- 3 gotas de óleo essencial de lavanda (Lavandula Officinalis)
- 2 gotas de óleo essencial de patchouli (Pogostemon Cablin)
Modo de preparo:
Derreta a cera e, em seguida, adicione a manteiga e o óleo vegetal. Mexa bem o creme até que ele obtenha consistência e espere esfriar completamente para colocar as gotas de óleo essencial. Guarde em um frasco de vidro, preferencialmente ambar.
Desodorante
- 70ml de leite de magnésio
- 10ml de tintura de alecrim
- 10ml de óleo vegetal de (semente de uva, abacate ou gergelim)
- 3 gotas de óleo essencial de eucalipto (Eucalyptus Globulus)
- 2 gotas de óleo essencial de tea tree (Melaleuca Alternifolia)
Modo de preparo:
Misture o leite de magnésio com a tintura. Em seguida, acrescente o óleo vegetal e, por último, as gotas de óleo essencial. Guardar em um frasco e agitar antes de utilizar.
USE COM CUIDADO
Veja as recomendações da dermatologista Juliana Fonte para a utilização de produtos de beleza feitos em casa:
- Tome os devidos cuidados para evitar que os componentes estraguem, oxidem ou tenham contaminação bacteriana;
- Manipule componentes naturais apenas com conhecimento de suas propriedades;
- Prefira frascos estéreis para evitar contaminações;
- Fique atenta ao prazo de validade do produto, que costuma ser menor por não conter conservantes.